segunda-feira, 5 de maio de 2008

Boca do Rio: um bairro de contrastes

Favela no bairro da Boca do Rio


Nos idos da década de 50, o bairro hoje conhecido como Boca do Rio era o lar dos pescadores de Xaréu que, ligados a outras colônias da cidade, pescavam o peixe na orla marítima. Parte do bairro dava lugar a uma grande fazenda onde se criavam as vacas, daí o nome A Cocheira, como chamavam a região naquela época. O nome atual faz referência ao poluído Rio das Pedras, que desemboca na região.


Há 30 anos mais ou menos, Caetano Veloso dizia em uma música de sua autoria que a Boca do Rio era “beleza pura”. Realmente, na década de 70 e 80, o bairro era desta maneira. Lá ficava a praia preferida dos artistas, freqüentada por Caetano, Gil, Novos Baianos e muita gente alternativa. Até hoje, o local ainda é chamado de Praia dos Artistas, apesar de nenhuma celebridade aparecer mais na região. Além disto, nos últimos anos, a degradação ambiental e o inchaço demográfico mudaram a cara do bairro, que é um dos remanescentes quilombolas da cidade de Salvador.


Veja mais sobre a Praia dos Artistas:



Começando no Centro de Convenções, o bairro tem como limites Pituaçu ao leste e o Imbuí ao norte. Este último, antigamente, também era chamado de Boca do Rio, assim como o local hoje conhecido como Conjunto Guilherme Marback.


Assemelhando-se a uma pequena cidade do interior, o bairro tem feirinhas ao ar livre, um forte comércio popular e praças onde a vizinhança se reúne. Além disto, a orla da Boca do Rio ainda possui um shopping a céu aberto – o antigo Aeroclube Plaza Show, que está em reformas há mais de um ano e abrirá com o novo nome de Aeroclube Shopping & Office. O acordo feito entre a administração do Aeroclube e a prefeitura de Salvador prevê também a construção de um Parque Atlântico na localidade, mas as obras ainda não começaram.


Carências


A Boca do Rio é um bairro popular, marcado por contradições, já que diferentes classes sociais dividem o mesmo espaço. A tranqüilidade que levou artistas as praias do bairro ficou no passado, registrada na memória de alguns moradores saudosos. O bairro detém hoje altos índices de violência e problemas estruturais graves, como a falta de saneamento, que o coloca entre os maiores focos de mosquitos da dengue.


No entanto, alguns moradores mais antigos continuam vendo a Boca do Rio como um local sossegado e bom para morar. “[A situação do bairro] tá muito melhor agora. Aqui onde eu moro [no Caxundé, região da Boca do Rio] não tem violência”, afirma o mestre Paulo Tavares, 87 anos, que vive há mais de sessenta anos na mesma rua e é o pescador mais antigo da Colônia.


Veja vídeo sobre a história da Colônia de Pescadores da Boca do Rio:


O Caxundé abriga a famosa Creche Béu Machado, que foi fundada em 1986, por Maria José da Silva Machado, conhecida como Dona Neném. Inicialmente, o objetivo da instituição era acolher crianças que eram deixadas em sua porta pelos pais que saiam para trabalhar. Hoje, a creche é conhecida em toda a cidade e passou também a dar assistência a idosos, por meio de socialização e atendimento médico.


De acordo com a coordenadora da Administração Regional IX, Sônia Regina Camargo, as principais carências da área são falta de esgotamento sanitário, construções irregulares de moradias, imóveis sem registro e ruas sem asfaltamento. A AR IX engloba a Boca do Rio e adjacências, totalizando 34 localidades. “Existe uma ação integrada entre o órgão e o 9º Departamento de Polícia, situado no bairro, para controlar este, que é também um dos atuais problemas da área”, diz Sônia.





A praia esquecida pelos artistas

Esculturas lembram a degradação ambiental da praia

A Praia dos artistas, escondida atrás de pequenas dunas no bairro da Boca do Rio, passa quase que despercebida não fossem as bandeiras coloridas que identificam suas barracas. Conhecida por ter sido ponto de encontro de artistas e intelectuais na década de 70, a praia já não é mais a mesma dos velhos tempos.


Seu Aloísio Almeida, que mantém uma barraca no local há 34 anos, reconhece que o modismo de freqüentar o local passou, mas para ele, esse não é o principal problema. “A questão não é a barraca não estar mais tão freqüentada, mas sim a violência e a falta de preservação ambiental aqui na Boca do Rio”, diz.


O barraqueiro nascido em Conceição de Almeida, no Recôncavo baiano, lembra com saudosismo da época em que chegou ao bairro. No trabalho informal de jornalista para o Jornal da Bahia, foi até à praia para fotografar o corpo de um homem que havia se afogado, e desde então, se apaixonou pelo local. “Finquei uma bandeira em três de outubro de 73 e não saí mais”, diz ele, que é dono de um outro estabelecimento comercial no bairro.


Segundo ele, a Boca do Rio nessa época não tinha esse nome, era conhecida como Cocheira, onde antigamente diziam ser uma grande fazenda. A praia tranqüila logo se tornou uma área de veraneio freqüentada por artistas, músicos e outras personalidades do meio cultural baiano.


Habitada por pescadores, a região também tinha um mangue, de onde seu Aloísio tirava camarão, caranguejo e guaiamu que servia em sua barraca para artistas como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Zizi Possi , Renata Sorrah e Marcos Paulo. Isso fez com que o próprio barraqueiro batizasse o lugar de “Praia dos Artistas”.


Mas “A Cocheira” cresceu e com isso vieram os problemas da violência e da devastação ambiental. Morador engajado do bairro da Boca do Rio, Aloísio criou o Comitê de Defesa da Praia dos Artistas, junto com alguns vizinhos para preservar não só a sua área, “mas todos os mares”.


Uma de suas causas é a resistência a um projeto do governo Paulo Souto, que previa a construção de um emissário submarino que seria instalado próximo à região, para expelir detritos orgânicos. “O projeto antes era para colocar em Jaguaribe e depois mudaram pra cá. Eu não vou desistir, ainda estou brigando para que isso não aconteça”.


Apesar de todos os problemas que o crescimento do bairro trouxe, seu Aloísio garante que o clima de vanguarda e refúgio tropical não afastou os moradores e os antigos boêmios da Praia. Ali estão concentradas também algumas das barracas mais badaladas do público gay, como Aruba e Bahamas. “Por aqui passaram a moda do nudismo, do topless, e a liberação do mundo gay também”.


O homem que batizou a praia hoje se preocupa com a sua preservação. Para ele, “esse é um dos únicos bairros da orla marítima de Salvador que ainda não foi totalmente esmagado por toda essa evolução desastrosa. Falta consciência e se depredarem mais ainda essa área, vão acabar com tudo”.



+ mais: Trecho da entrevista com Seu Aloísio



 
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